O grande instrumento de política energética do país para a próxima década, o Plano Nacional de Energia e Clima 2030 (PNEC 2030), reconhece as agências locais de energia e clima “como actores-chave” para desenvolver, a nível local, os objectivos nacionais de descarbonização da economia.
O presidente da direcção da RNAE - Associação das Agências de Energia e Ambiente, Carlos Santos, acredita que o protagonismo é “o reconhecimento do trabalho que as agências têm feito” nos últimos anos, que “levou a que a tutela tivesse percebido que tem o interlocutor certo para as medidas se possam implementar no território”.
Desta rede que é a RNAE fazem parte as 20 agências (municipais e intermunicipais) que “cobrem praticamente 70% do território nacional (sendo as “regiões mais desprovidas” Aveiro e Viseu). “O que temos acima de tudo é a confiança dos agentes locais, as IPSS, as autarquias, corpos de bombeiros, centros de saúde, escolas; conhecem-nos, sabem quem somos, o que fazemos, como fazemos e como podemos ajudar”, refere.
É por conhecer de perto a realidade dos municípios que o presidente da RNAE diz ao PÚBLICO existir um tema que preocupa os autarcas e que deveria ser “ponderado pelo Governo”: “Era importante o legislador pensar na prorrogação dos contratos actuais” de concessão das redes municipais em baixa tensão, diz ao PÚBLICO.
O Governo planeia avançar com os concursos para as novas concessões este ano, mas Carlos Santos considera improvável que o processo se conclua atempadamente e destaca o facto de já este ano chegarem ao fim os contratos que ligam 228 municípios à EDP Distribuição (dois deles já terminaram e os restantes terminarão entre 2022 e 2026).
O executivo lançou um grupo de trabalho (onde estão também os municípios) que deverá apresentar até final de Março os projectos de peças do procedimento de concurso e a minuta de contrato tipo para as novas concessões municipais. Ainda que o grupo de trabalho consiga apresentar resultados até Março, depois haverá eleições autárquicas em Setembro ou Outubro. “Será que entre um processo e outro há tempo para que os municípios decidam em todo o seu processo deliberativo o arranque do novo concurso? Se calhar não, e se calhar também não haverá o tempo para a ponderação necessária e para que as decisões sejam bem tomadas”, considera.
As redes em baixa tensão são fundamentais na transição energética que o país planeia para as próximas décadas pois deverão, no futuro, estar preparadas para aguentar a entrada de mais produção de electricidade renovável, vinda dos projectos convencionais ou de outros, de auto-consumo, nos telhados portugueses, bem como o carregamento das viaturas eléctricas que se acredita que irão proliferar pelo país.
Tratar o país “como um todo"
lei diz que os municípios, chegados ao final do contrato, podem resgatar a concessão e optar por gerir directamente os seus activos. A ERSE chegou a apresentar (em resposta a um pedido do Governo para dividir o país em áreas de concessão) uma proposta de divisão em três áreas territoriais. Mais tarde, o secretário de Estado da Energia, João Galamba, veio reconhecer que o ideal é uma única concessão para todo o país, que seja disputada por mais do que uma empresa.
A decisão cabe aos municípios, mas o risco é que, havendo contratos de concessão a chegar ao fim, e sem processo concluído, cada município comece a decidir por si o que fazer, teme Carlos Santos. “Tivemos até agora uma entidade que tratou o país como um todo a nível de investimento e garantiu uma qualidade de serviço homogénea, se hoje o formos a dividir e ramificar, tudo isto se perde”.
“Temos uma qualidade de serviço que é boa, homogeneidade de tarifas a nível nacional, esteja o consumidor em Albufeira ou na Covilhã, ao contrário do que acontece com a água, e uma fórmula para remunerar os municípios pela utilização das redes que também é idêntica, e estes são princípios que não podemos deixar andar para trás”, salienta.
Lembrando que há questões jurídicas que se levantam para os municípios, porque ainda se mantém em vigor a Lei n.º 31/2017 que fixava que os concursos deveriam ser lançados em simultâneo em 2019, mas que nada aconteceu, o também director-geral da ENERAREA - Agência Regional de Energia e Ambiente do Interior defende que é preciso “prolongar as condições das actuais concessões e tomar decisões mais reflectidas” para o futuro, como a eventual integração da rede de baixa tensão com as redes de média e alta tensão (enquanto na primeira os municípios são os concedentes, nas outras, a concessão pertence ao Estado e só terminam em 2044).
Salientando que se deve ouvir neste processo que tem hoje a concessão (a EDP Distribuição) e quem está interessado em concorrer (como a Endesa, que já manifestou esse interesse), nota que “estamos a falar de um dos maiores contratos do século” e que é tempo de “reflectir se há vantagens ou não em fazer uma unificação e termos a mesma entidade” a gerir baixa, média e alta tensão. “Se tivermos uma entidade a gerir tudo, ou pelo menos entidades que possam concertar a gestão, melhor será o serviço ao consumidor final”.
O fiambre na sandes
Sobre o que tem sido a actuação dos municípios no domínio da energia e ambiente, Carlos Santos diz que hoje “há preocupações prioritárias que antes não o eram”, por causa da luta contra as alterações climáticas. Mas também reconhece que há sempre um “grande incentivo” quando se vê que as intervenções trazem poupanças financeiras, porque os municípios gerem “um grande conjunto de equipamentos municipais e o dinheiro é sempre escasso”.
Daí que as agências se esforcem para demonstrar que “há necessidade de fazer investimentos e de que estes podem ser financiados através de programas comunitários”, dando apoio às autarquias nas candidaturas e na interacção com os gestores dos programas comunitários.
Nestas dinâmicas, a economia local também sai a ganhar. Ao olhar para um edifício municipal, como uma piscina coberta, e identificar um conjunto de medidas que o município deve implementar, a agência cria a “necessidade da redução de consumo e da poupança ambiental, mas também um mercado para que as empresas possam prestar o serviço”: “Costumamos dizer que na sandes somos sempre o fiambre: estamos entre a parte que tem a necessidade e a parte que tem a solução, e acabamos por agenciar processos, juntando-as”.
Exemplo disso é a iluminação pública, onde está grande parte dos consumos e despesa energética dos municípios. Hoje, com o apoio das agências, muitas dessas redes de iluminação já estão a ser geridas por empresas de serviços energéticos, que são parceiras dos municípios. A forma mais fácil de obter poupanças é trocar os equipamentos por outros mais eficientes, mas Carlos Santos frisa que é possível ir mais longe, fazendo a telegestão do equipamento e pondo-o em interacção com outros, dentro do conceito de redes e cidades inteligentes. E dá o exemplo: “Estamos a acompanhar um projecto que tem vários equipamentos de contagem de tráfego e de estações meteorológicas que detectam factores como a quantidade de nevoeiro e que fazem com que se automatize a iluminação em função desses factores”. Se não houver carros nem pessoas na rua, o nível de iluminação baixa para um mínimo necessário de segurança, mas a partir do momento em que se detecta movimento, voltam a subir.
“É esta interactividade que é necessária” e o papel das agências é criar e identificar a necessidade de investimento e encontrar os meios e os parceiros para que a estratégia do município se concretize, explica. Também destaca o cadastro das redes de água que está a ser feito a nível nacional, para identificar os locais onde há perdas na distribuição de água e onde é preciso intervir: “Quero acreditar que os próximos anos já trarão muito investimento para a gestão eficiente das redes de água como existe para a gestão eficiente da componente energética”.
Sublinhando o esforço permanente de sensibilização que é feito pelas agências, o líder da RNAE acredita que “os pequenos passos todos somados permitem obter grandes resultados” e que, tanto na água, como na energia, “se mudarem os comportamentos, também se utilizarão melhor os recursos”.